Avó

A minha avó sempre nos mimou imenso, a mim e ao meu primo. Fazia-me fruta relada com bolachas, tinha sempre bolachas deliciosas para mim em sua casa, preparava-nos sacos cheios de guloseimas no Halloween, fazia os melhores bolinhos de cenoura do mundo, comprava-nos sempre uma prenda surpresa no Natal (mesmo quando já estava muito doente ia à feira de propósito comprar algo), brincava comigo às bonecas, arranjava as minhas roupas, dava sempre o seu parecer sobre os meus outfits, defendia-me da minha mãe quando ela se zangava comigo e do empregado mau da peixaria que um dia me ralhou e me fez ficar com medo de lá entrar, era ela quem ficava comigo à porta enquanto a minha mãe fazia as compras. Mesmo sofrendo de Parkinson ela fazia os maiores sacrifícios por nós. Ultimamente movia-se com muita dificuldade e mesmo assim era capaz de subir os degraus todos para vir a minha casa se a minha mãe lhe dissesse que eu estava doente ou de fazer uma viagem de carro (o que era horrível para ela) só para podermos ir passear todos juntos. Era uma paz de alma a minha avó, ajudava tudo e todos sem refilar uma única vez, era um exemplo de pessoa.
Ao longo dos anos fui-me afastando um pouco dos meus avós. A minha avó falava cada vez menos e eu achava "uma seca" e até constrangedor estar sentada numa cadeira ao seu lado sem trocar qualquer palavra. Apesar de os meus avós viverem mesmo atrás de mim eu raramente os visitava, talvez uma vez por semana, às vezes menos, às vezes mais.
Em Novembro do ano passado a minha avó caiu e ficou acamada desde então. A partir daí a sua saúde física e mental deteriorou-se rapidamente.
Ultimamente, eu vinha no autocarro, do estágio, a pensar "hoje vou visitar os meus avós, vou ficar lá bastante tempo e não apenas cinco minutos" mas a verdade é que chegava a casa e tinha que dormir ou estudar ou descansar ou vestia o pijama e depois estava confortável demais para o tirar ou estava frio demais ou chuva demais, a verdade é que arranjava sempre uma desculpa. Pensava "fica para a próxima, eles não vão a lado nenhum, na próxima semana vou todos os dias vê-los". Assim se foram passando as semanas até que a minha avó faleceu, no fim de semana passado. Foi um choque muito grande pois apesar de estar debilitada não estavamos nada à espera, faleceu subitamente e nem tive oportunidade de me despedir. Nunca me tinha falecido ninguém tão próximo, apenas o meu avô paterno, mas na altura eu era muito pequena e pouco me lembro dele. A minha família mais próxima são os meus pais e avós maternos, comíamos juntos e depois íamos dar um passeio todos os domingos, íamos de férias e visitamos imensos locais, dávamos passeios que duravam todo o dia. Estão constantemente a vir-me à cabeça memórias do Verão passado e de muitas outras alturas, de locais que visitamos, coisas que fizemos. Nessas alturas, mesmo quando a minha avó se encontrava debilitada, acompanhava-nos sempre. E penso que nunca nada será igual, nada terá a mesma magia e a mesma piada, porque sem ela é impossível.
A coisa que mais me custa e que mais me pesa é o facto de não ter estado mais com ela. Se há coisa que lamento e acho que será um dos meus maiores arrependimentos toda a vida é o facto de não a ter visitado mais vezes. Só queria ter uma última oportunidade de lhe dizer "avó gosto mesmo muito de ti, apesar de estares aqui nesta cama e às vezes não sabermos o que te vai na cabeça continuas a ser minha avó, desculpa não te visitar mais vezes, a verdade é que sou uma preguiçosa" e a verdade é que ela ia perceber (se estivesse num dos dias em que a cabeça o permitisse) e ia compreender, iria perdoar e dizer "tudo bem" porque ela era mesmo assim. Espero que, mesmo que eu não o dissesse, ela pelo menos o soubesse...
Não há nada que eu lamente mais do que não a ter visitado enquanto podia, ter deixado a vida correr ignorando o facto que ninguém dura eternamente. Por isso partilho esta história com vocês, quem ainda tem avós ou mesmo outros familiares, lembrem-se de os visitar. Eles não duram para sempre, vão-se quando menos esperamos e nunca na vida aquelas frases feitas que se encontram online como "passem tempo com os que amam antes que seja demasiado tarde" me fizeram tanto sentido. Podem ser cliché, mas são a mais pura das verdades. Aproveitem as oportunidades que tem enquanto podem para um dia poderem dizer "ainda bem que fiz" em vez de "quem me dera ter feito".

Comentários

  1. Muitas vezes, não o fazemos por mal. E não pensamos que amanhã, seja esse amanhã num futuro qualquer, as pessoas podem já não estar a um passo de distância. E essa culpa acaba por nos consumir :/
    Lamento, os meus sentimentos. Muita, muita força!

    r: Sim, também li comentários que colocavam em causa a veracidade daquela história. Porém, tal como tu, não duvido que seja reflexo de muitos casos.

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    1. é verdade, daí ser muito importante aproveitarmos cada momento com as pessoas que gostamos. beijinhos :)

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  2. Such a sad story. Sorry for your lose!

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  3. Mesmo eheh :D

    Revejo-me um pouco neste texto precisamente pelo medo que sinto em não poder estar perto nos maus momentos... ou naquela que possa, eventualmente, ser a última vez :(

    NEW COOKING POST | I'VE NEVER EATEN IT... but it was delicious. :D
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

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    1. acho que se tentarmos estar presentes sempre que possível acaba por compensar os momentos em que deveríamos estar presentes mas por qualquer razão não o fazemos. beijinhos :)

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  4. Emocionei-me a ler o texto... Infelizmente já perdi 3 dos meus avós, e gostava mesmo muito de ter passado mais tempo com eles...
    Com situações destas é que aprendemos a valorizar o que realmente importa...

    Beijinhos!
    MESSY GAZING

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    1. é verdade, parece que nós seres humanos somos assim, é preciso as coisas acontecerem ou perdermos algo que gostamos para começarmos a valorizar. beijinhos :)

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  5. Lindo texto. Eu já não tenho os meus avós infelizmente.
    Bjs

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  6. Lindo texto! Compreendemos bem o que sentes, infelizmente parece que só valorizamos quando passamos pelas situações. Independentemente de passarmos mais tempo com eles ou não, quando perdemos sentimos que podíamos sempre dar mais. Sabemos que é dificil mas esteja onde estiver ela certamente não irá sentir nada disso de ti, sabe que deste o teu melhor e que algumas situações foram tipicas da idade ou do momento em si. Ela estará a olhar por ti e a ver-te brilhar!
    Os nossos sentimentos! Muita força!

    Beijinhos ❤️
    I. e A.
    https://nevertoolatetoturnback.blogspot.pt/

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  7. De facto dá que pensar... Andamos tão absorvidos nas nossas próprias rotinas que nos esquecemos de que, infelizmente, ninguém é eterno e que pode sempre ser a última vez...
    Força!
    Um beijinho

    INEFFABLE

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    1. é o problema do ser humano atual, valoriza demasiado o trabalho e as suas rotinas diárias :/

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  8. Como a entendo!
    Reformei-me em 2010 ...era professora e cuidei dos meus pais acamados ... a mãe 4 ... e o pai 2!
    Já partiram e apesar de dever cumprido a saudade é imensa!bj

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    1. felizmente teve oportunidade de passar tempo com os seus pais, com certeza que onde quer que eles estejam nunca se esquecerão disso e ficar-lhe-iam muito gratos! beijinhos :)

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  9. Que texto bonito e tão triste querida. Os meus sentimentos.
    É, por vezes, esquecemos-nos que as pessoas não duram para sempre, adiamos visitas e quando damos conta já é tarde, daí ser necessário acalmarmos os nossos dias nem que seja por 10 minutos. Percebo tão bem a culpa que dizes sentir, no entanto, tu sabes que não foi por mal e de certeza que ela sabia e sabe o quanto gostavas dela.
    Um beijinho grande <3

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    1. esperemos que sim, de qualquer das formas mesmo depois da vida me ensinou uma importante lição. beijinhos :)

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  10. Os meus sentimentos.
    Acho que fica sempre aquele sentimento de que podíamos ter feito mais.

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  11. Um bonito texto, uma bonita homenagem..
    Os meus sentimentos.
    Um grande beijinho,
    http://chicana.blogs.sapo.pt/

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  12. Oi Ana,
    Que homenagem linda a sua vó. Meus sentimos por sua perda.
    No fundo todos temos os mesmos sentimentos, achando que poderíamos ter feito mais.

    Obrigada pela visita!
    Bjs❤
    Abrir Janela

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    1. pois agora que já conversei com várias pessoas sobre o assunto compreendo que é normal, todos desejamos ter passado mais tempo com as pessoas, mais uns dias, horas, minutos... beijinhos :)

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  13. Sei exactamente pelo que estás a passar. A minha avó materna também estava nesse estado e de um momento para o outro deixou-nos. Custa? Sim e muito. Mas a verdade é que o tempo vai ajudando. Não se esquece, apenas nos acostumamos com a ausência e começamos apenas a nos lembrar dos bons momentos.
    Muita força e um beijinho do tamanho do mundo para ti. <3
    http://myheartaintabrain.blogspot.pt/

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    1. é verdade, dizem que o tempo cura e espero que sim, nos primeiros dias era uma dor enorme parecia que era a maior dor do mundo e que nunca se ia embora, agora sinto mais saudades que na altura mas a dor já não é tão má, enfim, o tempo e as memórias boas que mantemos curam...
      beijinhos :)

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